Ócio como contemplação: Criação divina ou grega?

12/09/2015 15:48

Normalmente ao se discutir a temática sobre o ócio o que nos vem à cabeça é a ideia da clássica concepção grega atribuída a tal fenômeno. Este nessa sociedade não significava não fazer nada, mas sim dedicar-se às ideias e ao espírito, na contemplação da verdade, do bem e da beleza, de forma não utilitária.

Para o filósofo Aristóteles, o ócio era uma condição ou estado – o estado de estar livre da necessidade de trabalhar. Ele fala também da vida ociosa em contraposição à vida de ação, entendendo por ação as atividades dirigidas para obtenção de fins materiais. Não considerava ócio a diversão, porque era atividade diretamente relacionada com descanso do trabalho; e a capacidade de viver devidamente o ócio era a base do homem livre e feliz.

Para o professor Viktor Salis, em seu livro, “Ócio criador” (2004), os gregos sabiam perfeitamente equilibrar o tempo entre o trabalho e o ócio. Este em vez de significar vadiagem, assumia outra função, a de um período que pudesse possibilitar o aperfeiçoamento interior, à recriação de si próprio.

Fazendo uma reflexão por caminhos acadêmicos não ortodoxos, partindo de uma perspectiva hermenêutica-interpretativista, inicio ainda que de forma introdutória, uma discussão sobre esse tema, indo um pouco além da concepção grega apresentada. Faço o convite para se pensar sobre o ócio e o trabalho, partindo da análise dos textos bíblicos, como base de consulta histórica, mesmo que esses sejam de forma metafórica na visão de algumas pessoas. Contudo, enquanto registro que estabelece as diretrizes éticas-morais e de fé de uma importante parcela da população mundial, a Bíblia não deveria ser ignorada como meio para se compreender certas características culturais e, por sua vez, comportamental, que orientam as vidas daqueles que a seguem. Destarte, mesmo que algumas pessoas sejam céticas a esse livro e, que outras possam deturpar os seus ensinamentos em prol de interesses próprios, não se pode ignorar a sua importância e poder de influência no modo de vida de bilhões de pessoas, como comprovado ao longo dos séculos.

Neste texto, ainda que de forma incipiente e inacabada, apresento alguns elementos para se refletir sobre o ócio. Posteriormente em outro momento, discorrerei sobre o trabalho seguindo os apontamentos contidos na Bíblia.

Começando a nossa discussão, parto do texto contido no livro de Gênesis 2:2-3. “2No sétimo dia, acabou Deus a obra que tinha feito; e cessou, no sétimo dia, de toda a obra que fizera. 3Abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele cessou de toda a obra que fizera como Criador” (Tradução brasileira) (grifo nosso); “2No sétimo dia Deus acabou de fazer todas as coisas e descansou de todo o trabalho que havia feito. 3Então abençoou o sétimo dia e o separou como um dia sagrado, pois nesse dia ele acabou de fazer todas as coisas e descansou”. (Nova tradução da linguagem de hoje) (grifo nosso). (Fonte: https://www.bible.com/pt/bible/211/gen.2.ntlh). Esses versículos nos apresentam o primeiro registro da experiência de ócio, tendo o próprio Criador como praticante. Isso nos remete que o ócio é anterior à criação humana, portanto, algo necessário, não enquanto meio utilitarista, mas como imanente ao espírito.

Em um texto publicado anteriormente (MACIEL, 2009, p. 26-35), destaco que segundo a crença judaico-cristã, Deus é um Ser onipotente, que pode todas as coisas, ou seja, tem todo o poder para realizar o que quiser, e de acordo com o texto citado, Deus criou toda a Terra. Para esclarecer alguns termos usados nesses versículos, recorro aos apontamentos realizados por Douglas (1995, p. 1.626). Para esse autor, os principais vocábulos hebraicos na passagem de Gênesis (2:2-3) são os termos MAASEH – um ato; um feito –, MELÃ’KHÂ e PÕ’AL – um feito – e ÃMÃL – labor, miséria. Segundo o dicionário bíblico Strong, a palavra ÃMÃL também representa tristeza, labor, trabalho duro, pesar, dor, problema, miséria, fadiga, exaustão. Recorrendo novamente a Douglas (1995), a palavra trabalho ou obra, como usada nesses versículos, é usada com referência aos atos de criação e providência de Deus.

Ainda segundo esse autor, a palavra hebraica descansou “é WAYYÂNAH – que significa cessar, terminar –, portanto, as palavras trabalho e descansou seguem uma linguagem antropomórfica, pois Deus não é um trabalhador exausto que precise repousar depois do trabalho – não obstante, o padrão é assim deixado para o homem seguir”. Sendo assim, Deus não se fatigou ao criar o mundo, e quando o texto diz que Ele “descansou”, está se referindo que terminou a sua obra e está usufruindo ou apreciando sua criação, contemplando-a, e não que Ele descansou como meio de se recuperar da fadiga.

Essas características nos remetem ao que o professor Viktor Salis defende quanto ao ócio grego. Esse autor relata que:

Não há ócio se ele não for criador. E criação não é somente escrever filosofia ou fazer uma estátua; é também uma recriação dionisíaca da relação humana. O ócio criador é feito para celebrar a relação, e para isso o latim tem uma tradução perfeita: comemoração. Quando comemoramos, celebramos vida e alegria, jamais destruição e doença. Na verdadeira festa, fazemos de conta que somos imortais, e celebramos a alegria como se estivéssemos num paraíso perdido, onde nada nos faltava (https://www.viktordesalis.pro.br/menu/menu.php).

Portanto, entendo que isso nos remete ao exposto anteriormente quanto à atitude divina, em que Ele comemorou a sua criação, isto é, o paraíso. Deus, manifestando sua personalidade e usando de toda sua rica criatividade, traz à existência uma infinidade de formas, cores e seres que preencheram todos os cantos da Terra e, disse que o que criara era bom. Portanto, nada mais natural do que celebrar, comemorar, apreciar o fruto do seu trabalho. Assim, Ele deixou esse exemplo, que foi seguido por Adão no Jardim do Éden e se estende ao longo dos séculos. Sobre esse fato, falaremos posteriormente.

Por fim, se é legítimo academicamente adotar uma abordagem mitológica como a do deus Dionísio para discutir uma concepção sobre o ócio, porque não refleti-lo teologicamente?

Referências

Bíblia Online. Disponível em: https://www.bible.com/pt/bible/211/gen.2.ntlh.

Maciel, M. G. Lazer corporativo: Estratégias para o desenvolvimento dos recursos humanos. São Paulo. Editora Phorte. 2009.

Salis, V. D. Entrevista sobre o Ócio Criador. Disponível em: https://www.viktordesalis.pro.br/menu/menu.php

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